terça-feira, 3 de junho de 2014

Rascunho I

 Esse texto é uma pequena divagação sobre o amor como nós é apresentado. Não dei um nome especifico, um vez que apenas um rascunho. Espero que gostem.

Rascunho I

Eu fui criado, assim como você, em uma sociedade que propaga algumas fantasias acerca da felicidade e consequentemente sobre o amor. Parte dessa fantasia ou se preferir definir como parte da mentira, baseia-se na “pessoa certa”, no “grande amor”, na “alma gêmea”, etc. Todos esses conceitos são vendidos a nos indivíduos, desde a mais tenra infância; fomos bombardeados com filmes, novelas, literatura, propagandas e todo o tipo de engodo que se possa imaginar sobre o tema.

Como você, eu fui engolido por essas falsas ideias. Desde que me tenho por gente, sempre pensei em encontrar minha cara metade, em muitas vezes acreditei que ela estaria vagando pelos caminhos da vida e seria apenas uma questão de tempo até tropeçar nela em alguma esquina iluminada ou em bosque.
Em determinada altura da vida ocorreu meu encontro tão esperado, na verdade eu quis acreditar que havia encontrado meu santo graal que há tanto tempo vinha buscando, mesmo agora quando me vem a memoria fragmentos daqueles tempos, algumas emoções escapam ao meu raciocino logico e formatado, são lembranças que me enganam e que ao mesmo tempo levantam o véu das mentiras que a sociedade me vendeu sobre a busca. Antes de continuar a contar essa parte, talvez seja melhor mostrar como era esse sujeito estranho – eu – nesse período.
Estava na faixa dos vinte anos – não lembro a idade exata – estava tentando aprender a tocar violão e guitarra; já conseguia tocar alguns acordes de algumas das minhas musicas preferidas da época, mas arrancava mais reclamação dos vizinhos do que aplausos. Minha saúde não era das melhores; havia passado por um período de crises de epilepsia – as crises já não ocorriam com tanta frequência -, mas possuía algumas cicatrizes físicas e psicológicas deixadas por um dos ataques. Fumava há algum tempo – havia aprendido com a turma em uma das idas para o bar -, era mais por uma forma de afirmação do que vicio.
Já havia me apaixonado algumas vezes; o caso mais notório foi por uma amiga. A paixão durou mais de seis anos – somos amigos ainda, nos vemos menos do que eu gostaria, penso que essa paixão deixou marcas em ambos e isso nos impede de mantermos uma amizade mais próxima. Experimentava um gosto por escrita sobre temas existencialistas, não era nada muito profundo, mas arriscava algumas criticas a sociedade. Sofria a perda de algumas pessoas – não que alguém próximo houvesse morrido, estava mais relacionado a mudanças que a vida impõe.

Nessa época consegui um trabalho em um local em que muitos não gostam nem de mencionar. Outros não conseguem deixar de frequentar – não, não é uma igreja. O local possui o nome de boate Eros; uma de casa de prostituição, uma zona, casa das primas ou qualquer termo que você deseje utilizar. O local lembra uma danceteria, porém existem garotas de programa por lá – você pode ficar confuso, uma vez que danceterias também abrigam garotas de programas. A diferença é eu uma zona é construída basicamente para abrigar garotas de programa.
O estacionamento era razoavelmente grande; possuía lugares para aproximadamente trinta carros, próximas ao muro algumas arvores eram responsáveis pelas sombras em dias de muito sol, ainda no estacionamento, mais especificamente ao lado do portão existia uma guarita para a permanência do porteiro. A recepção possuía o tamanho de uma sala convencional, sua decoração consistia em dois sofás que formavam um éle e em seu ângulo interno uma mesinha com tampa de vidro preenchia o vazio - nesse local aconteceram estórias das mais variadas, uma que me saltou a mente foi quando: O garçom, sentado da forma mais relaxada possível e das mais despreocupadas, ao receber a solicitação de um cliente, virou-se tranquilamente para o caixa e falou: - Vê um uísque ai pro fera! Imagine um Headbanger vestido de garçom, esse era o garçom da boate.
Uma porta dava a acesso ao salão, com o tamanho de quatro salas. Ao centro em formato circular ficava o palco, seu piso era de acrílico transparente e havia sido colocado sobre compartimentos em formatos geométricos que abrigavam luzes das mais variadas cores que acendiam em intervalos e tempos diferenciados, em resumo o piso do palco acendia. No centro do palco existia uma barra de ferro cromado, o qual as garotas gentilmente chamavam de pirulito – não me pergunte de onde elas tiraram esse nome, pois eu não faço ideia -, sobre o palco estavam posicionados alguns canhões de luzes, além de luzes negras. Era nesse palco que ocorriam os famosos strip-teases. Circundando o palco eram posicionadas algumas mesas e cadeiras.
                Além da porta que permitia o acesso a recepção existia ainda mais três portas; uma que levava a um corredor e ao jardim e duas outras que davam acesso à piscina. Os quartos estavam próximos a piscinas, separados por um corredor. Do lado oposto ficava a cozinha e alguns dormitórios para as garotas, esses ficavam quase escondidos. Junto à cozinha com acesso próximo a pisciana existia uma sala chamada de sala VIP, essa sala possuía alguns camarotes e mesas a iluminação era tão fraca que mal se podia ver a companhia que estava ao seu lado.
                Os quartos ou como eram denominados: suítes; possuíam uma cama grande de casal um banheiro simples e um jardim de inverno. Sem duvidas o jardim era a parte na bonita da suíte que no mais não passava de um quarto comum com um banheiro.
                Você deve estar se perguntando o que eu fazia nesse lugar, então eu era o gerente. Não era um cafetão ou pelo menos não aquela caricatura de cafetão que circula por ai. Meus princípios não permitiam aceitar presentes das garotas, nem dinheiro ou fazer qualquer coisa que as prejudicassem, evidente que se formos buscar a fundo, vamos encontrar o fato que eu vivia da exploração da prostituição.
Perguntei-me por muitos anos se era certo o que eu fazia naquela época, ser gerente de zona, não consegui encontrar uma resposta pronta ou acabada, cheguei a algumas conclusões e simplesmente vivo com isso. Sei por exemplo que minha profissão era moralmente e legalmente inapropriada, mas em contra partida sei que algumas garotas mudaram após me conhecer, penso que mudaram para melhor já que em alguns casos acabaram por deixar a profissão de garota de programa.
Caso esteja se perguntando o que tudo isso tem a ver com o inicio de nossa conversa. Eu te digo: - Foi aqui, na zona, que conheci minha idealização, personificada, em mulher. Evidente que nosso encontro foi muito diferente do que me era vendido. O tempo não passou em câmera lenta, nem ficamos nos olhando como se não existisse mais nada, não ouve bater de sinos nem qualquer outra fantasia relacionada a ideia de encontrar a alma gêmea.
A noite não tinha nada de especial, aconteceu como tantas outras vezes. Duas garotas vieram até nós e queriam saber como funcionava a coisa toda. Não fui eu a explicar para elas, caso não me falhe a memoria, acredito que tenha sido o proprietário – não havia mencionado ele ainda, por não gostar de sua figura -, as garotas não eram as mais lindas do universo. Inicialmente não me chamou muita à atenção nenhuma das duas. Uma possuía o nome de Katia, sua estatura era mediana, seus cabelos eram dotados de um tom dourado,  vestia roupas comum; um jeans uma camiseta branca e uma blusa ou jaqueta. A outra atendia por Agata – talvez aqui meu subconsciente já começasse a me pregar peças, pois “A gata” tem a força de ser única, algo que não deixa dúvidas -, seus cabelos eram curtos, sua altura não passava de um e sessenta. Engraçado, mas não me lembro da roupa que ela usava. Seu nariz era um pouco avantajado; um nariz de turco talvez.

Foi assim que a primeira impressão a cerca das garotas ficou, não fiquei surpreso no dia seguinte por elas não aparecerem. Isso era algo que ocorria com frequência, as garotas especulavam a cerca da vida de prostituta e depois não apareciam, em alguns casos eram apenas meninas curiosas sobre o que era a tal de zona. Já em outros casos eram mulheres tentando entrar na casa, em horário de funcionamento, para procurar por seus namorados ou maridos, ou qualquer coisa que valha.
Não acredita em mim? Pois é, em um determinado dia apareceram duas moças, muito bonitas por sinal, bem vestidas, com uma excelente dicção e com um bom papo. Apresentaram-se como garotas de programas a procura de uma boate para trabalhar – bom foi aqui que caímos com uns patinhos, pois a casa já estava funcionando e nos deixamos as candidatas a garotas da casa entrarem -, procedemos com a apresentação da casa. Quando chegamos à saída que dava para a piscina, uma cliente saia do quarto onde acabara de ter um programa com uma garota. Esse cliente era o noivo de uma das moças que estavam conhecendo a casa. Ela virou-se para ele e disse: - Então era aqui que você estava!
Uma moça com uma educação acima da media, pois deu as costas para tudo e todos e foi-se embora. Depois desse episodio adotamos algumas regras na apresentação da casa para garotas, na verdade não permitimos mais a entrada de mulheres, que não conhecíamos previamente, no horário de funcionamento. Posso afirmar que essa atitude nos poupou muita dor de cabeça, mas nos trouxe outros desafios, pois existem mulheres que frequentam boates como clientes. Vou deixar essa parte de lado por enquanto, voltemos a Agata.

Passadas algumas semanas – eu já tinha uma vaga lembrança dela – minha futura namorada retornou com sua amiga e começou a frequentar a casa algumas vezes na semana. Meu interesse nela não havia despertado ainda e nem sei se despertaria, senão fosse pelo dia que ela se aproximou de mim e me entregou seu numero de telefone.

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