Era uma sexta
feira do mês de Agosto; não me lembro muito bem o ano; chovia forte naquela
noite e o vento intimidava a casa - como se fosse um "valentão" que
encurrala os garotos mais jovens contra a parede, para roubar-lhes o dinheiro
do lanche - a casa já estava em um processo avançado de envelhecimento, o som
do vento soprando a casa, lembrava um assovio. Meu tio dizia que esse som era
sinal de mau agouro, segundo ele esse silvo era o som dos mortos sendo
empurrados para as profundezas do inferno. Quando era jovem, ficava horrorizado
com essa ideia, sem mencionar que só o fato de ouvir algo que lembrava o senhor
das trevas, já me causava tremedeiras.
O frio era
muito intenso, a tempestade deveria ter derrubado alguma arvore sobre a rede de
energia, assim o aquecedor elétrico não tinha utilidade, o gerador havia parado
de funcionar há algumas horas, não me sendo permitido nem mesmo ouvir uma
misera musica se quer. Havia colocado mais lenha na lareira, mas mesmo assim,
não era suficiente para aquecer a sala; fui obrigado a sentar mais próximo
possível do fogo e ainda me enrolar com um cobertor, sorte a minha que naquela
tarde havia ido ao mercado e comprado uma garrafa de Uísque além de uma dúzia
de charutos; não eram os mais vagabundos nem de longe os mais caros, era algo
compatível com minhas possibilidades, embora fossem virar fumaça era necessário
que possuíssem o mínimo de qualidade. A sala estava minimante
iluminada pelas labaredas da lareira e por algumas velas dispostas
estrategicamente; essa luminosidade dotava a casa de um ar sombrio e
deprimente.
O armário com
os copos estava do lado oposto da sala e por descuido, deixei os charutos sobre
ele assim que havia chegado a casa, não tinha outra opção senão caminhar até lá
para pegá-los, o que era um incomodo devido ao fato de estar muito frio. Ainda
estava na primeira dose de Uísque embora a garrafa estivesse sempre ao alcance
das mãos. Quando caminhava em direção ao armário – eu continuava enrolado como
um embrulho, no cobertor - em algum dado momento acabei me descuidando e pisei
em uma ponta do cobertor que se arrastava pelo chão, perdi o equilibro por um
instante – por sorte não cai - claro que minha bela dose de scotch se espalhou
por todo o chão – tão trágica essa cena; para os amantes do malte é algo
semelhante a morte de Romeu e Julieta para os apaixonados.
Fiquei um
pouco irritado com a situação, mas a garrafa ainda estava cheia e segura, por
fim o charuto daria o toque final para aquela noite gélida, trágica e sem
graça. Voltei para a poltrona próxima a lareira, a chuva caia com mais
intensidade e o vento soprava ainda mais ferozmente, o calor da lareira ainda
não conseguia preencher a sala. Sentei-me na poltrona e iniciei o ritual para
apreciar nova dose de bebida, agora acompanhada de um sabor único que só o
charuto proporciona. Naquele momento meu pensamento estava imerso em um novo
paciente e sua obsessão pela o além tumulo. Estava mais que obvio que tal
neurose tinha relação com a vontade de possuir uma vida eterna, mas o pobre
coitado se esquecera de viver a plenitude de sua vida terrena e submeteu seus
filhos e esposa a inúmeras privações, devido a sua neurose. Lembro que a esposa
o convencerá a vir falar comigo o que ele fez a muito contragosto; convencer um
tirano “do lar” como esse, somente com ameaças de que iria deixá-lo, assim a
esposa me confessou.
Perdidos em
meus pensamentos, subitamente pensei ter visto uma sombra se mover, próxima a
lareira, em um dos seus cantos – naquele momento pensei que poderia ser devido
as chamas da lareira já que elas dançavam em frenesi – mas era mais que isso.
A tempestade
estava furiosa, seus acessos de raiva vinham acompanhados de trovões e raios, a
cada novo ataque, a casa se iluminava por completo por alguns poucos segundos.
Foi em uma dessas ocasiões que pude ver, parada ao lado, onde a luminosidade
das chamas não alcançava a figura sombria e apavorante.
Vestida com
sua capa preta, já gasta pelo tempo, possuía alguns rasgos pelas bordas – o que
lhe dava uma aparência ainda mais assustadora - não era possível ver sua face
que jazia sobre o capuz, mas com certeza ela me encarrava - em uma das mãos
esqueléticas o instrumento encarregado de ceifar vidas, o brilho do metal de
aparência impecável, refletia a luz trazida pelo relâmpago.
Provavelmente
era minha imaginação me pregando uma peça; ela deve ter se apoderado de algum
medo infantil latente e assim deu características sombrias à algum casaco
pendurado ao lado da lareira. O próximo clarão da tempestade iria confirmar
minha teoria, mas meu ceticismo não me permitiu mais perda de tempo com essa
visão, assim minha atenção se voltou para o charuto, o qual já estava fora da
embalagem e entre meus dedos.
Comecei a
acender meu charuto, com ele já entre os dentes, peguei uma caixa de fosforo e
risquei um palito contra a mesma, tão logo a chama surgiu tratei de fazer
movimentos circulares com o charuto, o banhando na chama, e intercalando com
algumas “puxadas” no mesmo, para que a brasa se fizesse homogênea – essa parte
do ritual, com o charuto, é uma das que mais gosto afinal é quase com uma arte
– após algumas giradas no charuto, já era possível apreciar o gosto do tabaco,
sabor que fica ainda mais especial ao sentir a mistura do malte envelhecido com
o cheiro do tabaco.
Minha atenção
foi capturada pelas gotas de chuva que se chocavam com o vidro de uma das
janelas; podia vê-las como carros em miniaturas desgovernados, descendo em alta
velocidade pelo o asfalto negro da noite até fatalmente encontrarem com a
parede transparente de vidro de minha janela e assim escorrerem para o inicio
de um novo ciclo.
Ouvi batidas
firmes na porta de entrada – quem poderia ser, teria vindo de automóvel,
comecei a me perguntar - o barulho da tempestade era mais infernal do que uma
fanfara formada por jovens estudantes. Pousei o charuto sobre o cinzeiro, tomei
mais um gole do Whisky, removi o cobertor – ainda estava muito frio, isso meu
causou um tremendo desconforto - e passos preguiçosos caminhei até a porta.
– Quem
é? - perguntei, em quanto caminhava.
– É
Lorien, sua vizinha! - a voz delicada do outro lado da porta fez-me, acelerar os
passos.
Lorien
era uma mulher sensual e muito atraente, usava alguns decotes que roubariam a
sanidade de qualquer homem, seus perfumes eram o cheiro do paraíso – se é que
tal coisa existe – seus cabelos encaracolados e negros, tinham uma aparência
tão macia que me dava vontade de afagá-los sempre que a via - vou fazer aqui um
parêntese antes que eu seja mal compreendido, eu nunca tive uma queda por ela
ou algo semelhante, mas uma mulher como ela pode despertar o desejo até mesmo
de um monge tibetano. Seu esposo possuía uma imobiliária na cidade e era um
homem muito bondoso, alegre e cordial, não detinha grande riqueza e nem era a
“peça” publicitaria mais interessante que alguém já viu. Era possível concluir
que ela o amava, não havendo motivos aparentes para duvidar disso.
– O
que faz aqui, debaixo dessa tempestade? - indaguei, no momento em que abria a
porta, esquecendo até mesmo de convidá-la para entrar, uma vez que o vento está
tão afiado quanto uma navalha. Mas ela logo me lembrou.
– Posso
entrar, pois estou um pouco molhada e esse vento está congelando meus ossos! - às
vezes sou dotado de uma insensibilidade que eu mesmo me surpreendo com isso.
Qualquer pessoa com o mínimo de inteligência poderia entender que o mais
sensato era convidá-la para entrar, pois ela estava com os braços cruzados,
algumas gotas de chuva cobriam seu casaco e seu cabelo estava com as pontas tão
úmidas que começavam a pingar e vento congelava até o coração mais caloroso.
– Claro
que pode, desculpe minha indelicadeza, deixe me pegar o seu casaco e colocá-lo
próximo à lareira! - respondi enquanto fechada a porta atrás dela.
– Pode
usar o banheiro! – continuei – ele fica a direita, é só entrar na primeira
porta que encontrar, lá existe algumas toalhas limpas, acho que deixei a vela
que está lá acessa, mas em todo caso pegue uma dessas que estão por ai! -
exclamei no mesmo momento em que seguia com o casaco rumo ao suporte próximo à
lareira.
Tão logo
pendurei o casaco e virei-me, minha convida já havia sumido em direção
banheiro; a sala estava mais gelada que anteriormente, podia ver a
condensação de minha respiração; coloquei mais alguns pedaços de lenha na
lareira para tentar aquecer um pouco mais o ambiente. Aos pouco percebi que o
cheiro de Lorien começava a preencher a casa; era uma leve fragrância de
pêssego com algumas notas amadeiradas, cheiro que me levava a lugares nunca
antes explorados.
Devem ter se
passados uns dez minutos ou mais até que ela retornasse – digo isso, pois me
lembro de ter finalizado o charuto que havia começado antes de vê-la novamente
-, Lorien estava com um vestido de tom verde, mas era um verde com um aspecto
claro, algo como a cor de uma goiaba que começa a amadurecer, os cabelos
estavam úmidos e presos – mas o que mais me chamou a atenção foram seus pés
descalços. Acabei deixando-a envergonhada, pois fiquei fitando seus pés por
certo período.
– O
que tanto olha nos meus pés! - me perguntou com o rosto avermelhado.
– Não
é nada, mas acho melhor você colocar algum calcado, pois o chão está muito
gelado! - continuei fitando seus pés e imaginando a simplicidade que essa jovem
possuía – Pode usar um par de chinelos que estão próximos a porta! - continuei.
Coloquei mais
um pouco de scotch no copo, enquanto ela ia buscar os chinelos – nesse momento
estava pensando qual seria o motivo para ela viesse á minha casa, sob esse
tempo – aproveitei, para puxar a outra poltrona mais próximo a lareira, assim
ficaríamos os dois, um pouco mais aquecidos, além do fato de deixá-la mais
confortável antes de indagá-la sobre o motivo de sua visita.
Assim que
terminei de ajeitar a poltrona, Lorien já estava ao meu lado, com um gesto
delicado exclamei:
– Sente-se,
por favor!
– Obrigada!
- ela me respondeu.
– Os
chinelos ficaram um pouco largos, mas não precisará ficar com os pés no chão
gélido! - comentei, tentando passar um ar de descontração.
– Não...
Eles ficaram ótimos! - ainda embaraçada, ela me respondeu.
– Lorien,
você gostaria de beber algo! - embora eu estivesse tomando Uísque que comprara
naquela tarde, devo dizer que sou dono de um belo bar, não que seja algum tipo
de móvel todos trabalhado, com lugares para pendurar os copos ou dispor de
forma elegante as bebidas, é apenas uma variedade de bebidas dentro de meu
armário, o problema é que quando o assunto é bebida escocesa, ela simplesmente
não dura, mas quanto as outras espécies, é muito difícil que eu flerte com
elas, normalmente são destinadas aos convidados que aparecem esporadicamente.
– Aceitaria
um pouco de Uísque! - ela respondeu no mesmo instante que acenava com a cabeça
em um gesto positivo. Fiquei um pouco surpreso, não imaginara que ela fosse
pedir por um Uísque, estava imaginando que ela iria optar algo mais adocicado e
leve.
Fui até o
armário e peguei outro copo, aproximei da mesa que pousava a garrafa da bebida
e servi um pouco da bebida a ela.
– Obrigado!
- me respondeu, com um breve sorriso.
– Lorien,
o que você veio fazer aqui no meio desse temporal, está tudo bem! - indaguei
com certo receio; visitas em situações como essa, normalmente possuem um mote
ruim, podem ser a morte de alguém da família ou conhecido ou algum tipo de
acidente. Pode acreditar no que eu digo, pois se alguém chegar a sua casa,
debaixo de uma tempestade tão impiedosa como a que estava ocorrendo, um frio de
congelar o inferno, não tenha duvidas, só pode ser um motivo ruim e muito ruim.
– Nada
em especial! - começou a falar - Mas, John não está em casa! – Jonh era o
marido de Lorien, cujo qual falamos um pouquinho, quando Lorien chegou - Ele
está viajando e não deve voltar hoje, por causa da chuva. Além do mais estou
sem energia, assim como você e acabei ficando entediada, então como pude ver a
luz da sua lareira, imaginei que você estaria em casa e que seria uma boa
companhia!- novamente tenho de chamar a atenção do leitor, para não pensar
coisas “sujas” sobre mim ou sobre minha convidada, era apenas uma visita e um
pouco de conversa.
– Não
sabia que Jonh estava em viagem! - respondi em quanto me ajeitava na poltrona,
a sala já começava a ficar mais aconchegante, a lareira estava aquecendo
razoavelmente ao ambiente.
– Ele
foi a capital para fechar alguns negócios pendentes, acredito que amanhã esteja
de volta! - assim que terminou a frase, Lorien levou a bebida até a boca e
tomou um gole; o incrível é que seu rosto não demostrou nenhuma emoção de
desgosto, na verdade acredito que alguns traços de prazer acabaram por
despontar em sua face.
– Se
incomodaria se eu fumar um charuto? - indaguei.
– De
forma alguma, desde que você me ofereça um! - mais uma vez fiquei surpreso com
a resposta dela, não imaginava que essa mulher fosse apreciadora de um pouco de
tabaco. Nesse momento fiz uma analise superficial e encontrei a figura de uma
mulher madura, nos meus anos de psiquiatria havia encontrado alguns estereótipos
femininos, dois eram os comuns; um era a mulher madura e outro da jovem
imatura.
Lorien era o
rotulo de mulher madura, pois sabia o que queria e não tinha receio de expor
suas vontades; indo até a casa de um vizinho, tomando uísque e fumando um
charuto, tenho certeza que se ela estivesse interessada em alguém, ela não
teria medo de fazer o convite para sair ou mesmo informar a pessoa de que ela
estava interessada na mesma.
Já a jovem
imatura ou “pré-madura” é uma espécie hibrida de Cinderela, Alice e algum tipo
de feminista, pois vive sonhando com o príncipe encantado em algum tipo de
cavalo branco, mas sabe que precisa matar o sonho de tornar-se rainha e que
algumas situações ela precisa se decidir, mas se essa decisão estiver no campo
do relacionamento, a figura feminista surge e ai faz uma confusão danada, pois
demonstrar interesse em alguém pode acabar com seus ideais de feministas de
libertação e que nesse instante ela pode vir a se tornar um projeto de dona de
casa. Dessa forma a imaturidade prevalece e ela, a moça imatura, acabava por se
retrair em um tipo de defesa auto imposta.
Entreguei um
charuto a Lorien e peguei um para mim, acendi um fosforo e entreguei a caixa
com o restante a ela. Com maestria ela acendeu seu charuto, estava mais que
obvio que não era a primeira vez que ela fazia tal coisa. Ambos apreciamos
algumas puxadas da nicotina com o sabor complementar do scotch.
- De
quem é aquele Violoncelo, que está próximo a estante? - indagou-me com ar de
curiosidade.
– É
meu, embora eu não saiba tocar muito bem! Na verdade não tento tocá-lo há
tempos! - expliquei, no mesmo momento que pousava a cabeça no
encosto da poltrona.
Lourien
levantou-se e foi até o instrumento, parou em sua frente, tocou delicadamente
no braço, baixou e deslizou sua mão sobre a silhueta, de baixo para cima e de
cima para baixo. - era como uma mãe que observa seu filho dormindo – ela não se
conteve, o pegou e trouxe até a lareira, fiquei imaginando que ela
iria me pedir para tocar algo e com certeza eu até tentaria, mas não iria
conseguir fazer soar uma misera nota, somente agrediria o instrumento, seria
algo no mino desagradável.
Mas ela não
fez isso, ao contrario, sentou de forma que pudesse estar paralela ou
instrumento, com sutileza tocou algumas vezes nas cordas e acariciou as
borboletas, esticou umas cordas e afrouxou outras. – ela estava afinando o
instrumento – Não demorou até que ela começasse a executar uma melodia, nota
após nota o violoncelo era tomado por vida, a música que emana no instrumento
não mera estranha, acreditava ser um dos prelúdios de Bach.
Lorien estava
com olhos fechados, sua expressão era de pura imersão em cada acorde executado,
seu corpo valsava junto com o instrumento, estavam em perfeita sintonia,
magnificava era a visão. A cada acorde uma nova emoção, emoção retornada em
novos acordes; acordes, emoção, emoção, acorde, emoção, acorde, pausa, acorde, lagrima,
pausa, acorde, pausa, acorde...
Fiquei apenas
observando aquela entrega entre a figura feminina, o violoncelo e meu silencio.
Um momento único; imagine um pequeno recorte, do que muito chamam de sentido da
vida. A música durou um tempo aproximadamente dois minutos, para ser executada ,
quando Lorien terminou de executa-la, perguntei:
– Onde
aprendeu a tocar esse instrumento!
– Durante
minha existência, tive oportunidade de realizar algumas coisas das quais gostei
muito... Quanto a musica, fui afortunada por ter um excelente
professor, poderia jurar que ele era a encarnação de Bach! - respondeu-me com
um sorriso jocoso, ela me pareceu um pouco evasiva na resposta, mas eu não iria
insistir na pergunta.
– E
você, o que já fez de interessante na sua vida? - seu tom de voz era amigável,
ao me questionar. O engraçado é que nunca havia parado para pensar no que eu
havia feito de interessante e na verdade acredito que não tinha muita coisa
interessante que eu tenha feito.
– Não
sei bem! Acho que as maiorias de minhas realizações não são consideradas como
interessantes pelas outras pessoas! - respondi e ao mesmo tempo estava tentando
lembrar algo que fizera de interessante. Não se lembrava de nada, nenhuma
viagem, nenhuma aventura com amigos, nenhum tipo de aventura radical... Não
consegui me lembrar de nada que pudesse ser minimamente interessante, o que
vinha a mente era a lembrança de estudos e mais estudos e alguns flashes de
namoradas que passaram tão rápido quanto.
– Mas
não tem nada que você lembre? - insistiu ela.
– Estava
pensando um pouco e não me vêm nada a mente, mas essa reflexão me fez pensar
que eu deveria criar uma “Lista das botas”! - eu disse isso com seriedade.
– “Lista
das botas”!? - Lorien pronunciou, com certo ar de confusão.
– Isso
mesmo! Uma Lista das botas! Já te explico: é uma lista composta por
dez coisas que você gostaria de fazer antes de morrer. Li sobre isso em um
livro, onde dois personagens fazem sua lista e partem juntos para executar suas
vontades! - é verdade amigo leitor, agora que parei para pensar eu não havia
feito nada de interessante na minha vida e nada muito emocionante, acredito que
a coisa mais emocionante que já tenha feito era guiar um veiculo e isso não é
lá grande coisa.
– Entendi!
Acredito que as pessoas de forma geral, tem algo parecido com essa lista, não
que esteja escrito em algum papel, mas devem ter suas vontades guardadas em
algum lugar de suas mentes! - Lorein estava correta em pensar assim,
todos têm vontades de realizar alguns sonhos. Talvez seja isso que nos
impulsione. Na verdade isso é o que digo para as pessoas, mas o que realmente
acredito é que somos impelidos pela libido, assim como afirma o corrente
Freudiana.
– O
que gostaria de colocar nessa sua lista? - emendou ela.
– Teria
de pensar com um pouco mais de calma, são tantas coisas que penso que gostaria
de fazer! - estava sendo muito sincero, realmente existia uma quantidade
imensas de coisas que eu gostaria de fazer, por exemplo; voar de balão, dançar
Tango, cursar Filosofia e tantas outras coisas.
– Algo
que veio a sua cabeça no momento em que te fiz a pergunta? Não seja
chato! - brincou ela.
– Tá
legal... No momento que você me perguntou, o que me veio a mente foi a vontade
de conhecer o Nepal! - isso era algo que eu tinha muita vontade de fazer;
passar um tempo naquele país e conhecer um pouco de sua cultura. Embora não
soubesse nada sobre o Nepal, aquilo simplesmente me veio a cabeça, talvez a
bebida estivesse começando a fazer efeito; afinal o que eu iria fazer em um
pais sob o qual eu não sabia nada, desconhecia totalmente a língua nativa, não
tinha nenhum conhecido. Talvez esse desconhecimento fosse o motivo para o item
“conhecer o Nepal”, fazer parte da lista.
– Sabe
Carl, não sei se existem coisas que gostaria de fazer. Não que minha vida seja
perfeita ou repleta de realizações! Só não tem nada que eu gostaria de fazer
nesse momento de minha vida! – caro leitor, se você estava se perguntando qual
era o meu nome é esse ai, me chamo Carl, não sei bem o motivo de ter esse nome,
podia ser alguém que minha mãe ou meu pai gostassem algum tipo de filosofo, um músico,
ou artista, ou coisa que o valha. Vamos deixar isso de lado e voltemos a
Lorien; não senti indiferença em suas palavras ou qualquer pesar, foi algo de
simples sinceridade.
Meu copo de Uísque
já estava vazio, percebi que o dela também. Peguei a garrafa para me servir e
ela logo me estendeu o copo, as doses não eram cavalares e o frio estava
apaziguando qualquer reação de calor por parte da bebida. Meu charuto estava
pela metade, o de Lorien ainda estava no começo, engraçado como ela ficava
quando colocava o charuto na boca, não era uma aparência vulgar, lembrava um
quadro de um artista de rua que há tempos havia visto. Era um quadro que
representa uma mulher de pele clara como a neve, olhos negros como o de uma
corsa, trajando um vestido semitransparente, sob a cabeça um chapéu negro que
escondia seus cabelos e em seus suaves lábios um charuto.
– John
me disse que você é ateu! - a voz de Lorien cortou minha imaginação ao meio, a
pergunta me pegara desprevenido, não me lembrava de ter contado isso para seu
esposo. Essa pergunta é situação complicada, não que eu tenha medo de algum
tipo de conflito, mas tenho de ser cuidadoso para não ferir os sentimentos de
quem a faz. O que ocorre normalmente é que pessoas religiosas não entendem como
pode existir um sujeito que não crê em uma divindade, isso para elas é algo
impossível, na maioria das vezes elas atribuem meu ateísmo a alguma magoa
contra a divindade ou que sou alguém que ainda não se encontrou.
Isso é o
mais puro engano vou explicar o motivo: quando me perguntam se sou ateu essas
pessoas usam como base para formular a questão suas crenças, como vivemos em um
país de maioria católica é evidente que predomina o cristianismo, então meu
ateísmo passa a ser a não crença no deus cristão, infelizmente não é algo tão
simplista essa minha falta de crença, dessa forma sou obrigado a explicar que
não acredito em nenhum tipo de divindade, seja ela cristã, islâmica, budista,
hindu, maléfica, benéfica ou qualquer outra variação. Nesse ponto encontro
outra dificuldade, a maioria das pessoas não consegue, se quer imaginar o quão
grande é esse mundo e que a complexidade cultural não fica nenhum pouco atrás
nesse adjetivo, consequentemente o numero de crenças religiosas é astronômico.
O fato é que não faz o menor sentido carregar magoa de algo que não existe, até
porque carregamos magoa de seres antropomórficos, isso seria admitir que o tal
deus seja uma espécie de ser humano; outro ponto que as pessoas não conseguem
internalizar.
Já quanto a
ideia que “não me encontrei” é algo no mínimo infantil, sei muito bem onde
estou. Procure-me em meu consultório ou em minha casa, estarei em algum desses
lugares, salvo é claro em algumas exceções.
Estava com um
pouco de receio de tecer comentários sobre ser ateu à Lorien, pois tinha a
nítida impressão que em algum dia, tinha visto algum tipo de objeto sacro no
quintal de sua residência, algo como uma estatueta, mesmo assim falei:
– Sou
sim, mas acima de tudo sou um ser humano e entendo que as outras pessoas tem o
direito de acreditarem naquilo que lhes traga algum tipo de conforto! -
conforme ia discorrendo, lançava alguns olhares para Lorien na tentativa
de perceber algum sinal, de que minhas palavras estariam sendo
ofensivas de alguma maneira.
– Devo
presumir que também não acredita em fantasmas, alienígenas e coisas
semelhantes! - dessa vez era ela quem me fitava, mas o sorriso sempre estava
presente em sua face.
– Sem
duvidas! Sou muito cético quando o assunto são entidades metafísicas, embora eu
adoraria que algumas dessas “criaturas” existissem! Mas o fato é que: nosso
desejo não torna determinada coisa real! - eu estava escolhendo as palavras,
tentando não ser grosso ou arrogante, embora Lorien não aparentasse estar
incomodada com minhas opiniões, pois me observa com uma curiosidade típica de
uma criança.
A tempestade
aumentara ainda mais sua pressão contra a casa, a madeira rangia toda a vez que
era golpeada pelos ventos insanos, o barulho dos trovões estava mais e mais próximo,
os clarões dos relâmpagos iluminavam toda a noite, como se fossem uma lâmpada
gigantesca. Lorien encostou o violoncelo pelo lado de fora da poltrona e se
precipitou até a garrafa de Uísque, não parecia estar nenhum pouco alterada
pelo álcool, colocou uma dose generosa em seu copo e estendeu a garrafa a mim,
não hesitei e segui seu exemplo.
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