terça-feira, 3 de junho de 2014

Rascunho II (Lorien)

Lorien é meu maior rascunho até o momento, sei que que ele carece de muitas correções(gramaticais principalmente) e que talvez nunca chegue a ficar completo, mas mesmo assim apresento ele a vocês.




Era uma sexta feira do mês de Agosto; não me lembro muito bem o ano; chovia forte naquela noite e o vento intimidava a casa - como se fosse um "valentão" que encurrala os garotos mais jovens contra a parede, para roubar-lhes o dinheiro do lanche - a casa já estava em um processo avançado de envelhecimento, o som do vento soprando a casa, lembrava um assovio. Meu tio dizia que esse som era sinal de mau agouro, segundo ele esse silvo era o som dos mortos sendo empurrados para as profundezas do inferno. Quando era jovem, ficava horrorizado com essa ideia, sem mencionar que só o fato de ouvir algo que lembrava o senhor das trevas, já me causava tremedeiras.
O frio era muito intenso, a tempestade deveria ter derrubado alguma arvore sobre a rede de energia, assim o aquecedor elétrico não tinha utilidade, o gerador havia parado de funcionar há algumas horas, não me sendo permitido nem mesmo ouvir uma misera musica se quer. Havia colocado mais lenha na lareira, mas mesmo assim, não era suficiente para aquecer a sala; fui obrigado a sentar mais próximo possível do fogo e ainda me enrolar com um cobertor, sorte a minha que naquela tarde havia ido ao mercado e comprado uma garrafa de Uísque além de uma dúzia de charutos; não eram os mais vagabundos nem de longe os mais caros, era algo compatível com minhas possibilidades, embora fossem virar fumaça era necessário que possuíssem o mínimo de qualidade.  A sala estava minimante iluminada pelas labaredas da lareira e por algumas velas dispostas estrategicamente; essa luminosidade dotava a casa de um ar sombrio e deprimente.
O armário com os copos estava do lado oposto da sala e por descuido, deixei os charutos sobre ele assim que havia chegado a casa, não tinha outra opção senão caminhar até lá para pegá-los, o que era um incomodo devido ao fato de estar muito frio. Ainda estava na primeira dose de Uísque embora a garrafa estivesse sempre ao alcance das mãos. Quando caminhava em direção ao armário – eu continuava enrolado como um embrulho, no cobertor - em algum dado momento acabei me descuidando e pisei em uma ponta do cobertor que se arrastava pelo chão, perdi o equilibro por um instante – por sorte não cai - claro que minha bela dose de scotch se espalhou por todo o chão – tão trágica essa cena; para os amantes do malte é algo semelhante a morte de Romeu e Julieta para os apaixonados.
Fiquei um pouco irritado com a situação, mas a garrafa ainda estava cheia e segura, por fim o charuto daria o toque final para aquela noite gélida, trágica e sem graça. Voltei para a poltrona próxima a lareira, a chuva caia com mais intensidade e o vento soprava ainda mais ferozmente, o calor da lareira ainda não conseguia preencher a sala. Sentei-me na poltrona e iniciei o ritual para apreciar nova dose de bebida, agora acompanhada de um sabor único que só o charuto proporciona. Naquele momento meu pensamento estava imerso em um novo paciente e sua obsessão pela o além tumulo. Estava mais que obvio que tal neurose tinha relação com a vontade de possuir uma vida eterna, mas o pobre coitado se esquecera de viver a plenitude de sua vida terrena e submeteu seus filhos e esposa a inúmeras privações, devido a sua neurose. Lembro que a esposa o convencerá a vir falar comigo o que ele fez a muito contragosto; convencer um tirano “do lar” como esse, somente com ameaças de que iria deixá-lo, assim a esposa me confessou.
Perdidos em meus pensamentos, subitamente pensei ter visto uma sombra se mover, próxima a lareira, em um dos seus cantos – naquele momento pensei que poderia ser devido as chamas da lareira já que elas dançavam em frenesi – mas era mais que isso.
A tempestade estava furiosa, seus acessos de raiva vinham acompanhados de trovões e raios, a cada novo ataque, a casa se iluminava por completo por alguns poucos segundos. Foi em uma dessas ocasiões que pude ver, parada ao lado, onde a luminosidade das chamas não alcançava a figura sombria e apavorante.
Vestida com sua capa preta, já gasta pelo tempo, possuía alguns rasgos pelas bordas – o que lhe dava uma aparência ainda mais assustadora - não era possível ver sua face que jazia sobre o capuz, mas com certeza ela me encarrava - em uma das mãos esqueléticas o instrumento encarregado de ceifar vidas, o brilho do metal de aparência impecável, refletia a luz trazida pelo relâmpago.
Provavelmente era minha imaginação me pregando uma peça; ela deve ter se apoderado de algum medo infantil latente e assim deu características sombrias à algum casaco pendurado ao lado da lareira. O próximo clarão da tempestade iria confirmar minha teoria, mas meu ceticismo não me permitiu mais perda de tempo com essa visão, assim minha atenção se voltou para o charuto, o qual já estava fora da embalagem e entre meus dedos.
Comecei a acender meu charuto, com ele já entre os dentes, peguei uma caixa de fosforo e risquei um palito contra a mesma, tão logo a chama surgiu tratei de fazer movimentos circulares com o charuto, o banhando na chama, e intercalando com algumas “puxadas” no mesmo, para que a brasa se fizesse homogênea – essa parte do ritual, com o charuto, é uma das que mais gosto afinal é quase com uma arte – após algumas giradas no charuto, já era possível apreciar o gosto do tabaco, sabor que fica ainda mais especial ao sentir a mistura do malte envelhecido com o cheiro do tabaco.
Minha atenção foi capturada pelas gotas de chuva que se chocavam com o vidro de uma das janelas; podia vê-las como carros em miniaturas desgovernados, descendo em alta velocidade pelo o asfalto negro da noite até fatalmente encontrarem com a parede transparente de vidro de minha janela e assim escorrerem para o inicio de um novo ciclo.
Ouvi batidas firmes na porta de entrada – quem poderia ser, teria vindo de automóvel, comecei a me perguntar - o barulho da tempestade era mais infernal do que uma fanfara formada por jovens estudantes. Pousei o charuto sobre o cinzeiro, tomei mais um gole do Whisky, removi o cobertor – ainda estava muito frio, isso meu causou um tremendo desconforto - e passos preguiçosos caminhei até a porta.
–        Quem é? - perguntei, em quanto caminhava.
–        É Lorien, sua vizinha! - a voz delicada do  outro lado da porta fez-me, acelerar os passos.
 Lorien era uma mulher sensual e muito atraente, usava alguns decotes que roubariam a sanidade de qualquer homem, seus perfumes eram o cheiro do paraíso – se é que tal coisa existe – seus cabelos encaracolados e negros, tinham uma aparência tão macia que me dava vontade de afagá-los sempre que a via - vou fazer aqui um parêntese antes que eu seja mal compreendido, eu nunca tive uma queda por ela ou algo semelhante, mas uma mulher como ela pode despertar o desejo até mesmo de um monge tibetano. Seu esposo possuía uma imobiliária na cidade e era um homem muito bondoso, alegre e cordial, não detinha grande riqueza e nem era a “peça” publicitaria mais interessante que alguém já viu. Era possível concluir que ela o amava, não havendo motivos aparentes para duvidar disso.
–        O que faz aqui, debaixo dessa tempestade? - indaguei, no momento em que abria a porta, esquecendo até mesmo de convidá-la para entrar, uma vez que o vento está tão afiado quanto uma navalha. Mas ela logo me lembrou.
–        Posso entrar, pois estou um pouco molhada e esse vento está congelando meus ossos! - às vezes sou dotado de uma insensibilidade que eu mesmo me surpreendo com isso. Qualquer pessoa com o mínimo de inteligência poderia entender que o mais sensato era convidá-la para entrar, pois ela estava com os braços cruzados, algumas gotas de chuva cobriam seu casaco e seu cabelo estava com as pontas tão úmidas que começavam a pingar e vento congelava até o coração mais caloroso.
–        Claro que pode, desculpe minha indelicadeza, deixe me pegar o seu casaco e colocá-lo próximo à lareira! - respondi enquanto fechada a porta atrás dela.
–        Pode usar o banheiro! – continuei – ele fica a direita, é só entrar na primeira porta que encontrar, lá existe algumas toalhas limpas, acho que deixei a vela que está lá acessa, mas em todo caso pegue uma dessas que estão por ai! - exclamei no mesmo momento em que seguia com o casaco rumo ao suporte próximo à lareira.
Tão logo pendurei o casaco e virei-me, minha convida já havia sumido em direção banheiro; a sala estava mais gelada que anteriormente,  podia ver a condensação de minha respiração; coloquei mais alguns pedaços de lenha na lareira para tentar aquecer um pouco mais o ambiente. Aos pouco percebi que o cheiro de Lorien começava a preencher a casa; era uma leve fragrância de pêssego com algumas notas amadeiradas, cheiro que me levava a lugares nunca antes explorados.
Devem ter se passados uns dez minutos ou mais até que ela retornasse – digo isso, pois me lembro de ter finalizado o charuto que havia começado antes de vê-la novamente -, Lorien estava com um vestido de tom verde, mas era um verde com um aspecto claro, algo como a cor de uma goiaba que começa a amadurecer, os cabelos estavam úmidos e presos – mas o que mais me chamou a atenção foram seus pés descalços. Acabei deixando-a envergonhada, pois fiquei fitando seus pés por certo período.
–        O que tanto olha nos meus pés! - me perguntou com o rosto avermelhado.
–        Não é nada, mas acho melhor você colocar algum calcado, pois o chão está muito gelado! - continuei fitando seus pés e imaginando a simplicidade que essa jovem possuía – Pode usar um par de chinelos que estão próximos a porta! - continuei.
Coloquei mais um pouco de scotch no copo, enquanto ela ia buscar os chinelos – nesse momento estava pensando qual seria o motivo para ela viesse á minha casa, sob esse tempo – aproveitei, para puxar a outra poltrona mais próximo a lareira, assim ficaríamos os dois, um pouco mais aquecidos, além do fato de deixá-la mais confortável antes de indagá-la sobre o motivo de sua visita.
Assim que terminei de ajeitar a poltrona, Lorien já estava ao meu lado, com um gesto delicado exclamei:
–        Sente-se, por favor!
–        Obrigada! - ela me respondeu.
–        Os chinelos ficaram um pouco largos, mas não precisará ficar com os pés no chão gélido! - comentei, tentando passar um ar de descontração.
–        Não... Eles ficaram ótimos! - ainda embaraçada, ela me respondeu.
–        Lorien, você gostaria de beber algo! - embora eu estivesse tomando Uísque que comprara naquela tarde, devo dizer que sou dono de um belo bar, não que seja algum tipo de móvel todos trabalhado, com lugares para pendurar os copos ou dispor de forma elegante as bebidas, é apenas uma variedade de bebidas dentro de meu armário, o problema é que quando o assunto é bebida escocesa, ela simplesmente não dura, mas quanto as outras espécies, é muito difícil que eu flerte com elas, normalmente são destinadas aos convidados que aparecem esporadicamente.
–        Aceitaria um pouco de Uísque! - ela respondeu no mesmo instante que acenava com a cabeça em um gesto positivo. Fiquei um pouco surpreso, não imaginara que ela fosse pedir por um Uísque, estava imaginando que ela iria optar algo mais adocicado e leve.
Fui até o armário e peguei outro copo, aproximei da mesa que pousava a garrafa da bebida e servi um pouco da bebida a ela.
–        Obrigado! - me respondeu, com um breve sorriso.
–        Lorien, o que você veio fazer aqui no meio desse temporal, está tudo bem! - indaguei com certo receio; visitas em situações como essa, normalmente possuem um mote ruim, podem ser a morte de alguém da família ou conhecido ou algum tipo de acidente. Pode acreditar no que eu digo, pois se alguém chegar a sua casa, debaixo de uma tempestade tão impiedosa como a que estava ocorrendo, um frio de congelar o inferno, não tenha duvidas, só pode ser um motivo ruim e muito ruim.
–        Nada em especial! - começou a falar - Mas, John não está em casa! – Jonh era o marido de Lorien, cujo qual falamos um pouquinho, quando Lorien chegou - Ele está viajando e não deve voltar hoje, por causa da chuva. Além do mais estou sem energia, assim como você e acabei ficando entediada, então como pude ver a luz da sua lareira, imaginei que você estaria em casa e que seria uma boa companhia!- novamente tenho de chamar a atenção do leitor, para não pensar coisas “sujas” sobre mim ou sobre minha convidada, era apenas uma visita e um pouco de conversa.
–        Não sabia que Jonh estava em viagem! - respondi em quanto me ajeitava na poltrona, a sala já começava a ficar mais aconchegante, a lareira estava aquecendo razoavelmente ao ambiente.
–        Ele foi a capital para fechar alguns negócios pendentes, acredito que amanhã esteja de volta! - assim que terminou a frase, Lorien levou a bebida até a boca e tomou um gole; o incrível é que seu rosto não demostrou nenhuma emoção de desgosto, na verdade acredito que alguns traços de prazer acabaram por despontar em sua face.
–        Se incomodaria se eu fumar um charuto? - indaguei.
–        De forma alguma, desde que você me ofereça um! - mais uma vez fiquei surpreso com a resposta dela, não imaginava que essa mulher fosse apreciadora de um pouco de tabaco. Nesse momento fiz uma analise superficial e encontrei a figura de uma mulher madura, nos meus anos de psiquiatria havia encontrado alguns estereótipos femininos, dois eram os comuns; um era a mulher madura e outro da jovem imatura.
Lorien era o rotulo de mulher madura, pois sabia o que queria e não tinha receio de expor suas vontades; indo até a casa de um vizinho, tomando uísque e fumando um charuto, tenho certeza que se ela estivesse interessada em alguém, ela não teria medo de fazer o convite para sair ou mesmo informar a pessoa de que ela estava interessada na mesma.
Já a jovem imatura ou “pré-madura” é uma espécie hibrida de Cinderela, Alice e algum tipo de feminista, pois vive sonhando com o príncipe encantado em algum tipo de cavalo branco, mas sabe que precisa matar o sonho de tornar-se rainha e que algumas situações ela precisa se decidir, mas se essa decisão estiver no campo do relacionamento, a figura feminista surge e ai faz uma confusão danada, pois demonstrar interesse em alguém pode acabar com seus ideais de feministas de libertação e que nesse instante ela pode vir a se tornar um projeto de dona de casa. Dessa forma a imaturidade prevalece e ela, a moça imatura, acabava por se retrair em um tipo de defesa auto imposta.
Entreguei um charuto a Lorien e peguei um para mim, acendi um fosforo e entreguei a caixa com o restante a ela. Com maestria ela acendeu seu charuto, estava mais que obvio que não era a primeira vez que ela fazia tal coisa. Ambos apreciamos algumas puxadas da nicotina com o sabor complementar do scotch.
 - De quem é aquele Violoncelo, que está próximo a estante? - indagou-me com ar de curiosidade.
–        É meu, embora eu não saiba tocar muito bem! Na verdade não tento tocá-lo há tempos! - expliquei, no mesmo momento que pousava a cabeça  no encosto da poltrona.
Lourien levantou-se e foi até o instrumento, parou em sua frente, tocou delicadamente no braço, baixou e deslizou sua mão sobre a silhueta, de baixo para cima e de cima para baixo. - era como uma mãe que observa seu filho dormindo – ela não se conteve,  o pegou e trouxe até a lareira, fiquei imaginando que ela iria me pedir para tocar algo e com certeza eu até tentaria, mas não iria conseguir fazer soar uma misera nota, somente agrediria o instrumento, seria algo no mino desagradável.
Mas ela não fez isso, ao contrario, sentou de forma que pudesse estar paralela ou instrumento, com sutileza tocou algumas vezes nas cordas e acariciou as borboletas, esticou umas cordas e afrouxou outras. – ela estava afinando o instrumento – Não demorou até que ela começasse a executar uma melodia, nota após nota o violoncelo era tomado por vida, a música que emana no instrumento não mera estranha, acreditava ser um dos prelúdios de Bach.
Lorien estava com olhos fechados, sua expressão era de pura imersão em cada acorde executado, seu corpo valsava junto com o instrumento, estavam em perfeita sintonia, magnificava era a visão. A cada acorde uma nova emoção, emoção retornada em novos acordes; acordes, emoção, emoção, acorde, emoção, acorde, pausa, acorde,  lagrima, pausa, acorde,  pausa, acorde...
Fiquei apenas observando aquela entrega entre a figura feminina, o violoncelo e meu silencio. Um momento único; imagine um pequeno recorte, do que muito chamam de sentido da vida. A música durou um tempo aproximadamente dois minutos, para ser executada , quando Lorien terminou de executa-la, perguntei:
–        Onde aprendeu a tocar esse instrumento!
–        Durante minha existência, tive oportunidade de realizar algumas coisas das quais gostei muito...  Quanto a musica, fui afortunada por ter um excelente professor, poderia jurar que ele era a encarnação de Bach! - respondeu-me com um sorriso jocoso, ela me pareceu um pouco evasiva na resposta, mas eu não iria insistir na pergunta.
–        E você, o que já fez de interessante na sua vida? - seu tom de voz era amigável, ao me questionar. O engraçado é que nunca havia parado para pensar no que eu havia feito de interessante e na verdade acredito que não tinha muita coisa interessante que eu tenha feito.
–        Não sei bem! Acho que as maiorias de minhas realizações não são consideradas como interessantes pelas outras pessoas! - respondi e ao mesmo tempo estava tentando lembrar algo que fizera de interessante. Não se lembrava de nada, nenhuma viagem, nenhuma aventura com amigos, nenhum tipo de aventura radical... Não consegui me lembrar de nada que pudesse ser minimamente interessante, o que vinha a mente era a lembrança de estudos e mais estudos e alguns flashes de namoradas que passaram tão rápido quanto.
–        Mas não tem nada que você lembre? - insistiu ela.
–        Estava pensando um pouco e não me vêm nada a mente, mas essa reflexão me fez pensar que eu deveria criar uma “Lista das botas”! - eu disse isso com seriedade.
–        “Lista das botas”!? - Lorien pronunciou, com certo ar de confusão.
–        Isso mesmo! Uma Lista das botas! Já te explico:  é uma lista composta por dez coisas que você gostaria de fazer antes de morrer. Li sobre isso em um livro, onde dois personagens fazem sua lista e partem juntos para executar suas vontades! - é verdade amigo leitor, agora que parei para pensar eu não havia feito nada de interessante na minha vida e nada muito emocionante, acredito que a coisa mais emocionante que já tenha feito era guiar um veiculo e isso não é lá grande coisa.
–        Entendi! Acredito que as pessoas de forma geral, tem algo parecido com essa lista, não que esteja escrito em algum papel, mas devem ter suas vontades guardadas em algum  lugar de suas mentes! - Lorein estava correta em pensar assim, todos têm vontades de realizar alguns sonhos. Talvez seja isso que nos impulsione. Na verdade isso é o que digo para as pessoas, mas o que realmente acredito é que somos impelidos pela libido, assim como afirma o corrente Freudiana.
–        O que gostaria de colocar nessa sua lista? - emendou ela.
–        Teria de pensar com um pouco mais de calma, são tantas coisas que penso que gostaria de fazer! - estava sendo muito sincero, realmente existia uma quantidade imensas de coisas que eu gostaria de fazer, por exemplo; voar de balão, dançar Tango, cursar Filosofia e tantas outras coisas.
–        Algo que veio a sua cabeça  no momento em que te fiz a pergunta? Não seja chato! - brincou ela.
–        Tá legal... No momento que você me perguntou, o que me veio a mente foi a vontade de conhecer o Nepal! - isso era algo que eu tinha muita vontade de fazer; passar um tempo naquele país e conhecer um pouco de sua cultura. Embora não soubesse nada sobre o Nepal, aquilo simplesmente me veio a cabeça, talvez a bebida estivesse começando a fazer efeito; afinal o que eu iria fazer em um pais sob o qual eu não sabia nada, desconhecia totalmente a língua nativa, não tinha nenhum conhecido. Talvez esse desconhecimento fosse o motivo para o item “conhecer o Nepal”, fazer parte da lista.
–        Sabe Carl, não sei se existem coisas que gostaria de fazer. Não que minha vida seja perfeita ou repleta de realizações! Só não tem nada que eu gostaria de fazer nesse momento de minha vida! – caro leitor, se você estava se perguntando qual era o meu nome é esse ai, me chamo Carl, não sei bem o motivo de ter esse nome, podia ser alguém que minha mãe ou meu pai gostassem algum tipo de filosofo, um músico, ou artista, ou coisa que o valha. Vamos deixar isso de lado e voltemos a Lorien; não senti indiferença em suas palavras ou qualquer pesar, foi algo de simples sinceridade.
Meu copo de Uísque já estava vazio, percebi que o dela também. Peguei a garrafa para me servir e ela logo me estendeu o copo, as doses não eram cavalares e o frio estava apaziguando qualquer reação de calor por parte da bebida. Meu charuto estava pela metade, o de Lorien ainda estava no começo, engraçado como ela ficava quando colocava o charuto na boca, não era uma aparência vulgar, lembrava um quadro de um artista de rua que há tempos havia visto. Era um quadro que representa uma mulher de pele clara como a neve, olhos negros como o de uma corsa, trajando um vestido semitransparente, sob a cabeça um chapéu negro que escondia seus cabelos e  em seus suaves lábios um charuto.
–        John me disse que você é ateu! - a voz de Lorien cortou minha imaginação ao meio, a pergunta me pegara desprevenido, não me lembrava de ter contado isso para seu esposo. Essa pergunta é situação complicada, não que eu tenha medo de algum tipo de conflito, mas tenho de ser cuidadoso para não ferir os sentimentos de quem a faz. O que ocorre normalmente é que pessoas religiosas não entendem como pode existir um sujeito que não crê em uma divindade, isso para elas é algo impossível, na maioria das vezes elas atribuem meu ateísmo a alguma magoa contra a divindade ou que sou alguém que ainda não se encontrou.
 Isso é o mais puro engano vou explicar o motivo: quando me perguntam se sou ateu essas pessoas usam como base para formular a questão suas crenças, como vivemos em um país de maioria católica é evidente que predomina o cristianismo, então meu ateísmo passa a ser a não crença no deus cristão, infelizmente não é algo tão simplista essa minha falta de crença, dessa forma sou obrigado a explicar que não acredito em nenhum tipo de divindade, seja ela cristã, islâmica, budista, hindu, maléfica, benéfica ou qualquer outra variação. Nesse ponto encontro outra dificuldade, a maioria das pessoas não consegue, se quer imaginar o quão grande é esse mundo e que a complexidade cultural não fica nenhum pouco atrás nesse adjetivo, consequentemente o numero de crenças religiosas é astronômico. O fato é que não faz o menor sentido carregar magoa de algo que não existe, até porque carregamos magoa de seres antropomórficos, isso seria admitir que o tal deus seja uma espécie de ser humano; outro ponto que as pessoas não conseguem internalizar.
Já quanto a ideia que “não me encontrei” é algo no mínimo infantil, sei muito bem onde estou. Procure-me em meu consultório ou em minha casa, estarei em algum desses lugares, salvo é claro em algumas exceções.
Estava com um pouco de receio de tecer comentários sobre ser ateu à Lorien, pois tinha a nítida impressão que em algum dia, tinha visto algum tipo de objeto sacro no quintal de sua residência, algo como uma estatueta, mesmo assim falei:
–        Sou sim, mas acima de tudo sou um ser humano e entendo que as outras pessoas tem o direito de acreditarem naquilo que lhes traga algum tipo de conforto! - conforme ia discorrendo, lançava alguns olhares para Lorien na tentativa de  perceber algum sinal, de que minhas palavras estariam sendo ofensivas de alguma maneira.
–        Devo presumir que também não acredita em fantasmas, alienígenas e coisas semelhantes! - dessa vez era ela quem me fitava, mas o sorriso sempre estava presente em sua face.
–        Sem duvidas! Sou muito cético quando o assunto são entidades metafísicas, embora eu adoraria que algumas dessas “criaturas” existissem! Mas o fato é que: nosso desejo não torna determinada coisa real! - eu estava escolhendo as palavras, tentando não ser grosso ou arrogante, embora Lorien não aparentasse estar incomodada com minhas opiniões, pois me observa com uma curiosidade típica de uma criança.
A tempestade aumentara ainda mais sua pressão contra a casa, a madeira rangia toda a vez que era golpeada pelos ventos insanos, o barulho dos trovões estava mais e mais próximo, os clarões dos relâmpagos iluminavam toda a noite, como se fossem uma lâmpada gigantesca. Lorien encostou o violoncelo pelo lado de fora da poltrona e se precipitou até a garrafa de Uísque, não parecia estar nenhum pouco alterada pelo álcool, colocou uma dose generosa em seu copo e estendeu a garrafa a mim, não hesitei e segui seu exemplo.

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